novembro 20, 2009

Prefácio


Ah, se fosse somente a morfologia dos sentimentos...
Amar, simplesmente amar, como seria?
Ah, se então se revelassem os segredos da felicidade,
Que se daria?
Antes, há que se atentar para a sintaxe do dia-a-dia,
E tentar sobreviver às sutilezas dos complementos,
E apurar os predicados e selecionar bons adjuntos.
Há por bem que se traduza a semântica dos olhares,
A pragmática dos sorrisos, como eles se abrem;
Convém que se classifique um aperto de mão,
E as intenções dos sujeitos,
E as entonações dos predicativos,
E os porquês dos superlativos,
E a transitividade dos que se aproximam...
Viver é evento de mil conjugações.
É irregular, intransitivo, indefinido,
É substantivo de qualquer classificação;
Não tem gênero, e seu número é o mundo inteiro.
Viver é gramática que dispensa professores,
Todavia, exige amores, dores, suores;
Espalha-se em desinências múltiplas e formas livres,
Avança para além dos objetos, das pessoas, dos modos, dos tempos.
Sendo assim, conjugação simples,
Viver não é mais difícil que falar,
E cai bem como advérbios, para início, meio, fim e depois;
E tem caminhos e facetas como pronomes;
Está no contexto, fora dele, tentando fazer parte.
É termo simples, sendo indeterminado e palpável.
É comum de dois ou de todo mundo;
É vocativo, clamando por espaço;
É aposto, reforçando o inexplicável;
É período simples e composto.
Está por trás das linhas,
Deslizando entre as vírgulas,
Anterior ao discurso,
Após o ponto final.
Na reescritura.

Ricardo Fabião (Abril, 2007)

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