Um verso
tecido para registro do sol,
do sal, da imersão da vida em pedra,
do rio sempre sobre gente sendo só...
E tendo
de ser sertão, de ver-se são,
segue nisso João entre sons e céus;
se versa um vão, tece uma amplidão...
Basta só que uma palavra sua lance
sobre outra palavra a ponta do fio,
e essa que perceba o verso avance,
que receba o lance da primeira alcance,
que esticada em frase bata em revoada,
e que lançada sendo tal palavra seja,
que unida a outra mais liberta esteja,
e que repasse a rima itinerante à rede,
e as palavras juntas criem mil modelos,
e pelos versos rolem de gerar sentidos,
indo a mais palavras para mais lugares,
se lançadas sobre mais destinos digam,
de um tempo ao outro, as razões do verbo,
que expressando lancem adiante a chave
que destrava a porta para luz cortante,
e que mais palavras desnoveladas sejam,
velejando em frases para cais distantes;
que suscitem mundos sobre tais novelos,
e as palavras livres saibam ser milhares;
que armada a tenda caibam cem mil delas,
e que todas tantas sendo tão das outras,
recompondo cores e empinando chaves,
sob um sol sertão possam estar em verso,
tais palavras soltas a tecer um mundo,
que com suas asas vão vencer vazios...
e que vezes tudo, vezes céu silêncio,
vezes só poema, todo universo.
Ricardo Fabião (Outubro, 2009)
"Tecendo a manhã" foi o meu primeiro contato com a poesia de João Cabral de Melo Neto...
A partir dessa experiência, tornou-se impossível não tê-lo comigo em tudo que eu enxergo e acredito poeticamente.
O poema "O empinador de céus", de minha autoria, dialoga com "Tecendo a manhã"; é de certo modo uma homenagem ao citado poeta.
Tecendo a Manhã
João Cabral de Melo Neto
"Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão".
É verdade,
ResponderExcluirjá no comecinho da leitura eu lembrei do Poema " Tecendo a Manhã" de João Cabral de Mello Neto
E João sozinho pode tecer um verso, desde que o universo caiba em seu olhar e que saiba destrinchar palavras onde saltem sonhos.
bjs
Ainda há quem não zele pelas palavras...
ResponderExcluirFico feliz com a sua visita.
Bjos.
Bela homenagem em forma e conteúdo! :)
ResponderExcluirBeijo,
Ane