Para Ane, Jessiely, Keila, Renata;
mulheres que arriscam alma e palavras
além de suas próprias fronteiras.
E com quatro dos símbolos aprendidos ele escreveu 'viver', e assim começou a história. Escreveu, que gostou, e soube como seguir. Agora cada um daqueles símbolos abria uma estranha passagem, o que ele tomou para si como ofício, para riscar nas coisas e arriscar-se mais. E desejou juntar todos eles, os vinte e seis símbolos, para chegar a todas as coisas do mundo, e com isso escrever tudo o que se ouve, o que se vê e se sente, e, com zelo especial, tudo o que se cala. Foi a professora, com algum tipo de luz nas mãos – como faz o sol, ao rasgar diariamente os caminhos e as cores aos seres –, que os desenhou no quadro, com giz e magia; e não só isso foi aberto ali, o que se escreve e a estrada depois: algo que ele não sabia onde era estendeu-se muito mais mundo adentro, que ele só alcançaria de juntar e dizer todas as letras. E foi sem cansar disso até muitos dias. Juntava então nos dedos as letras e as escrevia no ar. Escrevia, escrevia, ininterruptamente. Onde estava o mundo, lá punha seu dedo a escrever em cima das coisas, com exclamações nas ladeiras, interrogações no horizonte. Quando o ar estava cheio dos seus escritos, ele os apagava até que se refizesse o vazio para abrigar mais palavras. Até aí era a descoberta, o menino. Certa vez, no desvio do caminho, quis saber como era juntar humanos e sentimentos na mesma frase, e pôs 'Lúcia' em cima, no topo da paisagem, e 'meu amor' embaixo, no azul quase chão; depois riscou reticências para que isso ficasse ao tempo. E contemplou a possibilidade e a fundura daquelas palavras. E tão logo percebeu que alguém poderia ler o pedaço rabiscado do vazio, que com mão demais apagou além do que deveria, e deixou um buraco no céu onde antes estava 'amor'. E assustou-se. Sem aquele pedaço de ar faltava-lhe algum caminho até ser completamente. Mas não houve jeito: agora estava lá, em todos os lugares aonde ia, no que sentia e almejava, o tal amor apagado às pressas, doendo onde não estava, um furo no céu, um oco suspenso no olhar, que seguia junto vida adiante, desconhecedor das horas. E foi nessa margem pouco visitada que ele ancorou o passo; cresceu. Eis o adulto, o destino. Todos os dias punha escadas e escrevia no vão do amor arrancado, tentando chegar com palavras ao tamanho necessário para cobrir a falta, algo que aliviasse o incômodo de ter um buraco onde antes desenhado estava o primeiro amor. Quis remendar com linha e agulha, com adesivo e cola, mas nada fechava naquele lugar. Ainda fingiu que era janela, mas tinha de fato medidas de lacuna, de ausência, e não coube uma cortina. Depois ele soube que ali estava a fronteira de tudo. Um dia encontraram apenas a escada e o silêncio. No mundo de cá, aos de sensibilidade, restou o que ele havia escrito. Dizem que virou poeta.
Ricardo Fabião (Agosto - 2010)
Ricardo, querido amigo e poeta, você não imagina o quanto me senti feliz e lisonjeada ao ler este belíssimo conto! Entre dias nublados e chuvosos, sinto-me reanimada por tuas sábias palavras. Muito obrigada!
ResponderExcluirBeijo grande,
Ane
Nossa, absurda, solitariamente lindo.
ResponderExcluirParabéns!!!
Abraços. Bom fim de semana.
Caro Ricardo, gostei do seu conto. Gostei desse tom surreal, onírico que você imprimiu ao texto, tom que gosto de impor aos meus contos, como você bem sabe. Parabéns por esse escrito. Está deveras bom!
ResponderExcluirGrande abraço,
"quis saber como era juntar humanos e sentimentos na mesma frase". Perfeito.
ResponderExcluirFiquei sem ar aqui!
Bjs meus
Existem vazios que trazemos conosco e, que na tentativa desesperada de preenchê-los preenchê-los, acabamos por aumentá-los.
ResponderExcluirSer poeta é uma das possibilidades de ludibriarmos olhares e nos tornarmos fortes.
Um abraço!
Chego a pensar que ser poeta é buscar preencher essas indecifráveis lacunas da alma, essa inquietude por tudo e por nada, mas que finalmente é tudo; esse viver a sentir, e a palavra dita, a palavra expressa, essa tentativa de preenchimento da falta que sempre faltará. Nem sei se a Keila aí dita sou eu, que há tantas keilas, mas grata estou de qualquer maneira por tentativa tão bela de preencher essas lacunas que nos acompanham.
ResponderExcluirBeijo no coração Ricardo!
...traigo
ResponderExcluirsangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
TE SIGO TU BLOG
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
AFECTUOSAMENTE
CURVAS DA PALAVRA
ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.
José
Ramón...
"Certa vez, no desvio do caminho, quis saber como era juntar humanos e sentimentos na mesma frase, e pôs 'Lúcia' em cima, no topo da paisagem, e 'meu amor' embaixo, com reticências para que ficasse ao tempo..."
ResponderExcluirCompanheiro, já escreves como grande, e és. Estilo único de filosofar com prosa poética e digno de ser lido mais amplamente.
abs