O brasileiro gosta de copiar, todos sabem disso. Há muitos séculos que executamos com muita propriedade essa prática. E quando digo ‘propriedade’ não quero dizer que isso nos torna ases na arte da imitação. Não. Na verdade, minha intenção é afirmar exatamente o contrário, pois sendo a cópia uma atividade destituída de criatividade, ter propriedade para realizá-la ininterruptamente é atestar no mínimo falta de identidade. Reformulemos então a primeira frase do texto: brasileiro gosta de copiar, mas não sabe. Isso é ruim?
Platão dizia que o artista imitava as coisas dos homens, estes por sua vez, já eram uma imitação imperfeita dos deuses. Para o filósofo, esse tipo de atitude não servia aos verdadeiros interesses da República. Desse modo, o artista tornava-se imitador da imitação. E nós? Como Platão classificaria o povo brasileiro? Imitadores da imitação da imitação? Deu para entender?
Já copiamos os americanos, os japoneses, os ingleses, os franceses, os chineses, os marroquinos, e agora, diretamente dos estúdios da Rede Globo, os indianos. A cópia convence? Não. Afinal, a cultura indiana levou milênios para ser o que é. O brasileiro queria aprender tudo em cem capítulos de uma novela? Nada contra a narrativa de Glória Perez, nem mesmo contra os atores ou a emissora de televisão; ora, estão fazendo seu trabalho. E os telespectadores? Já sei, estão fazendo seu trabalho: copiando.
Todavia, algo neste processo é bastante louvável. Embora nosso povo seja uma esponja cultural, ele costuma copiar aquilo que lhe é conveniente. Um bom exemplo disso é que as meninas que agora dançam como se fossem indianas nos shoppings e colégios brasileiros não deixam de namorar quando bem querem, nem de escolherem seus pretendentes. Em miúdos, elas não copiam a subserviência daquelas mulheres aos homens, nem mesmo ousariam permitir que seus pais lhes arranjassem o marido. ‘Nem pensar. Isso é coisa da Índia, que fique por lá, onde já se viu?’ Os copiadores daqui revelam que sabem o que copiar. Se fôssemos excelentes copiadores, daqueles que incorporam todos os elementos do objeto copiado, teríamos sérios problemas sociais. Ainda bem que a coisa fica na cópia mal feita.
Não considero certo, não considero errado, somos brasileiros. Gente que aprendeu desde sempre a aceitar e a conviver com as coisas que vinham de fora. Sempre foram as melhores. Até o idioma estrangeiro que chegava dos navios tinha mais charme de ser pronunciado: cherrie, roast-beef, beautiful, chique, não? Afinal a palavra local era gasta no cotidiano, desvalorizava, e o brasileiro é inquieto, gosta do novo, do que sai quentinho do forno, da novidade. Triste constatação? Por quê? Quando imitamos, estamos aumentando nossa capacidade de driblar os problemas, não de esquecê-los, mas de melhor suportá-los. Será?
Se a vida é um grande teatro, surgem com a cópia novas oportunidades de trajes, de gestos e de falas. Estaremos sempre no meio do palco, vivendo um papel que não é nosso, gritando coisas que não estão em nossas almas, afinal estamos imitando a imitação da imitação. Alguém já cantou ‘sorri, vais fingindo a tua dor... e ao notar que tu sorris, todo mundo irá supor que és feliz’, talvez o disfarce funcione. Entender a vida dá um trabalho danado, e a fantasia é tão envolvente, tem uma musiquinha por trás, em algum canto...
Então terminarei o texto mudando minha intenção inicial: copiem, imitem, vistam personagens de outras culturas, dos confins da Sibéria, esqueçam essa história de identidade, mesmo que a cópia seja imperfeita. Parem de ler. Vão ver a televisão: virão ainda muitas novelas, estrearão outros filmes, tocarão novas músicas, aparecerão artistas mais interessantes, celebridades mais chocantes, agora digitem control C, depois control V, aguardem até que tudo seja copiado para suas mentes. Está feito. Reproduzam.
Ricardo Fabião (Maio, 2009)
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