março 21, 2010

Meia presença

                                                     Herbert Draper - "Ulisses e as sereias"

Como não havia uma moldura para tua imagem,
resolvi espalhar-te ao redor da minha aldeia.
Há quem diga que até hoje dormes na encosta;
ou deslizas até o verde-azul das primeiras ondas,
e não retornas para um sorriso...

Parece que sussurras barcarolas ao meu ouvido,
e já sem sair daqui estou muito distante de mim;
acompanhando-te em tua misteriosa aventura.
Mas as raízes podem mais coisa que o desejo:
e eu fico; e mais distância de mim eu sofro.
 
Sou homem simples de destino muito estreito;
não sou de ir aos lugares que levam horas até lá;
tudo meu é de minuto, é de muito próximo até.
É de muita dúvida e não saber ao certo significar:
Passo pois voltas de chave nas palavras e calo.

Às vezes estou a doer do amor que me ensinaste,
tentando com meu silêncio as frases que decorei,
repetindo no ar tantos beijos que não arrisquei.
Não tenho certeza se te aprisionei em meu mundo,
ou se do teu já não junto forças de me libertar.
Quem és assim que só sinto e não te encontro?

Verdade é que ciência de mim não mais possuo,
que me ateste que foste sonho, e nunca vieste;
ou que me deixaste e a loucura me apanhou...
Fico cá, cercado pela meia presença que guardei;
essa que não deixará que me falte o sol, o céu.

Ricardo Fabião (Março - 2010)

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