março 23, 2010

Esconderijo


Há um menino por baixo das coisas,
Por tão dentro assim que se diz âmago;
Ali, no mais distante e só do nosso ser,
Onde não acontecem palavras nem sol.
Ele vive de roer umas migalhas de vida,
Sob o regime vigilante do bom senso...

Às vezes joga verdades pela nossa boca,
Mas logo rejeitado retorna para sua cela,
Algo assim sozinho, ausente das horas,
Com destino de eterno breu e silêncio.
Lá não há escada que facilite sua fuga,
Nem verdades que clareiem o caminho.

Esse menino levaremos calado até o fim,
Para que vençam nossas meias verdades,
E criados sejam homens que não somos,
E disso as memórias que jamais existiram,
E que nisso a estrada de viver siga planos,
E o nosso dia não seja afetado pelo real.

Esse garoto e sua bandeira pequenina,
O sorriso que se cala em troca de tostões,
Tudo dentro e só é como morre o adulto,
Que se mal ajusta aos contextos e status...
Que durma sem dormir o menino da alma,
Com seu grito cada vez mais próximo de nós.

Hoje, não, que viver ainda é de disfarces,
Um contrato assinado antes de nascermos:
Por um quase caminho vai uma quase vida;
Um seguir de regras sumariamente prontas.
É só viver do tamanho que morre o âmago,
E agendar para outra vez o que só silencia.

Ricardo Fabião (outubro - 2009)

Um comentário:

  1. Quanta sensibilidade contem suas palavras!
    Belíssimo poema.

    Nosso âmago, nosso "verdadeiro eu" que não se mostra e fica bem escondidinho dentro de nós, quem sabe esperando o momento certo para aparecer.

    Bela participação no Diálogos.

    Obrigada.

    Beijos.

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